quinta-feira, 23 de abril de 2009

É segredo.

Era nas quartas-feiras que se encontravam. Mas era uma conversa “muda” de breves, segundos, onde se poderia contar uma história de vida. Ele estava do lado direito da estrada. Tinha sempre a bola na mão. Atrás de si, estava um pequeno campo, para onde os rapazes da aldeia se juntavam, jogavam e tinham conversas próprias. Eu observava-o. Estava sempre a jogar, de olhos postos na bola. Ele achava divertido. Era uma boa oportunidade de estar com os amigos, e de conhecer gente nova. Lembro-me que todas as semanas, arranjava amigos novos. Estava sempre com gente diferente, e em todos parecia ter uma confiança tremenda. Só um. Só um é que não mudava. Recordo-me vagamente desse amigo, todos o referiam como “o Dino”. Não falava muito, mas quando abria a boca, sabia escolher e acertar nas palavras. No final daquele género de treino, iam-se embora de malas postas nas costas, com medo de chegar atrasados a casa e ouvir um raspanete da mãe. Mas Ele não. Continuava em campo, sozinho. Mesmo nos dias de chuva. Com curiosidade passava por lá, e ele sempre ali. Na mesma posição, no mesmo sítio sempre com a mesma expressão. Era assim todas as tardes, tirando na quarta-feira. Não sei o porquê, mas tive sempre a sensação de quando Ele nos intervalos, “brincava” com a bola, a chutava para fora, tendo motivo para sair do campo e vir espreitar. E nesse instante, pela esquerda da estrada passava Ela, vinda da catequese. Sempre de mãos dadas com a melhor amiga. Ela já sabia de cor este ritual. Tinha pouco mais de dez anos. Era mesmo engraçada. Andava sempre de totós. O cabelo era liso e meio arruivado, que aclarava dependendo do sol, formando às vezes uns reflexos dourados. Comprido e sedoso, com ondas rebeldes que lhe davam um ar sempre jovem. Tinha a pele muito branca o que contracenava perfeitamente com o tom do cabelo. Os olhos eram grandes, profundos, brilhantes, pestanudos e muito azuis. O nariz era bem feito. Os lábios, de um vermelho natural, escondiam uns dentes perfeitos e brancos. Quando sorria fazia umas covinhas no queixo cheias de uma graça infantil. Era muito bonita para a idade que tinha. Raramente usava calças. Anda quase sempre de vestido. Era boa aluna e raramente causava problemas. Tinha muitos amigos, entre os quais a sua cadela, a Dina já de idade, que a tinha visto crescer e a defendia como filha. Era adorada por todos. Adorava fazer aquele caminho, da catequese até casa. Brincava com amigos e conversava com a melhor amiga. Era nesse momento quando ela estava a brincar com a melhor amiga que ele aparecia. Demorava sempre alguns segundos a procura-la. Era muita gente, muitos rapazes e muitas raparigas da sua idade. Mas ela dava nas vistas e parecia captar uma luz natural. Ele não se mexia. Olhava para ela com os olhos cheios de ternura. Mas a boca continuava imóvel. Segundo mais tarde, Ela descobria-o. Fazia de propósito para não andar tão depressa e puxava a mão da melhor amiga. Esta gritava com ela e chamava-a mas ela não ligava. O olhar deles era hipnotizante. Nenhum deles tinha a coragem para interromper um momento mágico como aquele. Aproximavam-se um do outro mas continuavam na mesma posição com a mesma expressão. No meio da estrada de terra. E num gesto mágico ambos sorriam. Eu ali estava sentada num banco de jardim, com folhas brancas na mão e uma esferográfica a contemplar o verdadeiro significado. E depois cada um seguia o seu caminho em direcções diferentes. Andavam nove passos. Paravam. Olhavam um para o outro, continuavam caminho. E já longe ambos sussurravam em género de segredo









Amo-te

3 comentários:

  1. mas é mesmo. não há paciência.

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  2. às vezes é assim. dói tanto a transportar cá para fora que não nos é possivel ver beleza ou ternura mas aos olhos dos outros é sóa isso que se assemelha...

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